Governo não sabe como limitar acesso estrangeiro a terra

25-11-2011, Reuters
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Por Fábio Santos

SÃO PAULO (Reuters) - O governo está decidido a limitar e regular a compra de terras por estrangeiros, mas ainda não sabe exatamente como fazê-lo.

A maior dificuldade é como conciliar as necessidades econômicas brasileiras e o objetivo de proteger a soberania nacional contra os interesses de outros países -o alvo principal é a China. O problema está sobre a mesa da ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil.

É consenso no governo que é preciso impedir que empresas estatais e fundos soberanos possam comprar grandes áreas para atender a segurança alimentar de seus países de origem, e não exatamente para fazer negócios e movimentar a economia brasileira.

Boa parte do setor agrícola aceita a preocupação, mas teme que a legislação, ao tentar fechar a porta para esse tipo de investimento, afaste também capitais privados interessados no agronegócio, que tem sido a âncora da balança comercial brasileira.

A legislação poderia simplesmente proibir que estrangeiros residentes no exterior e empresas que não tenham sede no Brasil comprem terras. Quanto a isso não há sequer divergência. A dificuldade é o que fazer em relação a empresas brasileiras de capital estrangeiro.

A solução para o problema, de fato, não é simples, mas é urgente. Hoje, o setor vive virtual paralisação de investimentos estrangeiros devido à insegurança jurídica.

Em 28 de agosto do ano passado, um parecer da Advocacia Geral da União considerou válida uma lei de 1971, que iguala empresas brasileiras de capital estrangeiro a empresas com sede fora do Brasil e proíbe que possuam mais de 5 mil hectares.

Na prática, a AGU fez renascer um artigo da Constituição, que também fazia essa diferenciação e foi revogado por emenda constitucional em 1995.

'É uma maluquice', avalia Luciano Godoy, advogado e especialista em direito agrário.

De setembro de 2010 para cá, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas, esse setor, que vinha em franca expansão, deixou de receber mais de 37 milhões de reais em novos investimentos. Em 2011, de acordo com a Unica, que congrega a indústria de cana-de-açúcar, apenas cinco novas unidades de produção entraram em operação. Cerca de 25 por cento desse setor é de capital externo.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) diz que algo como 60 bilhões de reais em investimentos previstos até 2017 estão em suspenso ou foram cancelados. Também houve algum impacto sobre o financiamento agrícola concedido por bancos estrangeiros -mais de 60 por cento do crédito à soja vem de instituições internacionais.

A razão é que, em geral, as terras são dadas como garantia do negócio. Se é proibida a posse de mais de 5 mil hectares por empresas estrangeiras, caso o agricultor que tenha hipotecado mais do que essa extensão não pague sua dívida, a execução pelo banco ficaria dificultada.

Ademiro Vian, assessor técnico da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), porém, diz que o impacto no financiamento não foi tão significativo porque as normas do sistema financeiro já proíbem que os bancos fiquem com o imóvel por mais de seis meses. 'Mas a limitação cria dificuldades', acrescenta.

EM BUSCA DA NORMA IDEAL

A questão é objeto de projeto de lei que está em preparação em uma subcomissão da Câmara dos Deputados. Há duas propostas em discussão. A principal diferença entre elas é que a do relator, Beto Faro (PT-PA), mantém o limite de 5 mil hectares para empresas brasileiras de capital estrangeiro.

O substitutivo do presidente da comissão, Homero Pereira (PSD-MT), elimina essa equiparação e veta a aquisição de terras apenas a ONGs estrangeiras e empresas e fundos imobiliários constituídos por fundos soberanos.

Um ponto consensual é a necessidade de haver informação e registro sobre os investimentos estrangeiros, algo inexistente hoje. Ninguém sabe quanta terra está na mão do capital internacional.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tem o registro de 34.371 imóveis rurais, com um total de 4.348.822 hectares. Mas admite que esses números devem ser bem maiores.

Há situações que passam à margem dos cartórios de registro de imóveis. É o caso, por exemplo, de uma empresa nacional adquirida por empresa estrangeira. Ou ainda de uma empresa nacional que venda ações na Bolsa e passe a ser controlada por estrangeiros.

Além disso, até o parecer da AGU, de 2010, eles se sentiam desobrigados a informar os registros ao Conselho Nacional de Justiça. Muitos negócios, portanto, são desconhecidos.

Nenhuma das duas propostas apresentadas na Câmara contenta o governo, que gostaria de limites mais estreitos e estuda agir por meio de medida provisória, para que seus efeitos entrem em vigor de imediato.

Uma ideia que chegou a circular foi obrigar as pessoas físicas estrangeiras residentes no país e pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil a ter o governo como sócio. Elas teriam de constituir uma sociedade propósito específico e conceder ao governo uma 'golden share', tipo de ação que dá direito a veto em casos estabelecidos em contrato.

A reação do setor agrícola foi estridente e, ao que parece, forçou o reexame da questão. No fim das contas, o governo sabe o que quer: impedir que terras brasileiras sejam usadas como reservas de países estrangeiros. E sabe o que não quer: estrangular o investimento no agronegócio.

Como disse a esta coluna um dos assessores jurídicos envolvidos na questão, o problema está em 'colocar o ideal no real'.

A imposição de limites à aquisição de terras por estrangeiros não é uma exclusividade do Brasil. Diversos países têm legislações restritivas. Mas para construir uma lei que não signifique impedimentos aos investimentos no campo, será preciso livrar-se de certa paranóia nacionalista alimentada pelas preocupações com a soberania nacional e dar prioridade ao viés econômico da questão.

Afinal, como diz o advogado Luciano Godoy, qualquer que sejam as restrições impostas, se elas não fecharem completamente as portas ao capital estrangeiro, será sempre possível encontrar formas legais para que empresas estrangeiras se associem com brasileiros e invistam na agricultura.

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