Empresas querem terra para especular e 'plantar dinheiro', diz professor

12-7-2012, Rede Brasil Atual
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São Paulo – Mais do que "vender" o Brasil ao capital estrangeiro, a proposta que tramita no Congresso Nacional e que libera a compra de terras por não brasileiros é, para o professor de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, uma tentativa de o agronegócio reforçar sua "concepção patrimonialista", acumulando propriedade de maneira ilimitada. A proposta está no Projeto de Lei 4059, de 2012, que regula o comércio de terras nacionais para empresas estrangeiras.

Para Ariovaldo, o grande propósito dos ruralistas é conseguir criar um forte mercado para a venda de terras brasileiras. Considerando os atuais preços altos das propriedades rurais, o agronegócio quer estabelecer a facilidade na venda de terras. "Essa é uma característica específica do Brasil. O que importa é ter o bem imóvel e ele funcionar como uma espécie de garantia do patrimônio da empresa", defende.

Diferente do que sugerem alguns especialistas ligados à questão agrária, para os quais a liberação do comércio tornaria o Brasil "um prolongamento do território de outros países", o professor sustenta que a maioria dos países não tem, ainda, grandes interesses em adquirir terra brasileira. Ele expõe dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mostrando que apenas 0,5% de todo o território nacional está nas mãos de estrangeiros.

Confira a íntegra da entrevista:

Como o senhor vê essa proposta de liberar ilimitadamente a compra de terras brasileiras por estrangeiros:

As informações são distorcidas daquilo que realmente ocorre. Os chineses, por exemplo, nunca compraram um palmo de terra no Brasil. Eles têm 150 hectares no município de Barreiras, na Bahia, porque o governo da Bahia doou para uma das empresas chinesas, para montar lá uma indústria de processamento de soja. Na realidade, nós temos no Brasil um problema ligado ao caráter, que tem a ver, aí sim, com a concentração de terra, um espécie de característica do capitalismo no Brasil, que é ter na terra, na propriedade privada, uma concepção patrimonialista. Isso gera uma situação que a maior parte das terras desapropriadas não são postas para produzir. O que importa é ter o bem imóvel e ele funcionar como uma espécie de garantia do patrimônio da empresa. Apenas isso.

Essa condição só existe no Brasil ?

É uma característica específica do Brasil. Uma empresa nos Estados Unidos investe o capital em ações. De modo que ela tenha no próprio giro do mercado de capital a possibilidade de fazer dinheiro a hora que quiser, só vendendo ações.

No Brasil não. Nós estamos vivendo um período em que está diminuindo a taxa de juros do mercado financeiro. E é ela que regula o preço da terra. E quando cai, há uma elevação do preço da terra, automaticamente, porque é uma relação de correspondência. Então isso faz com que os capitalistas fiquem querendo que haja compradores para suas terras, porque, agora, com taxas mais baixas, o preço da terra está lá no ponto mais alto. Então eu tenho que criar um mercado para que haja quem compre. É isso que está por trás. Esse projeto de lei quer que esses caras plantem dinheiro aqui.

Essa notícia vem se repetindo desde a crise de 2008. Aí é que está a grande jogada do setor do agronegócio do Brasil, que está sendo constituído por ex-sócios de bancos. Que por sua vez constituem empresas para operar com capital aberto, aí essas empresas vão lançar ações, não só no mercado brasileiro, como no mercado mundial. Na realidade quem tem interesse são empresas brasileiras para fazer fortuna. Por trás disso é que está por exemplo, o caso do grupo Opportunity do Daniel Dantas.

Mas se for ver o que importa, não é o negócio econômico de vender carne ou de criar boi para vender para frigorífico. Ganha-se dinheiro nessa lógica de se apropriar de terra barata e a conversão para a venda de ações dessa empresa.

Existe hoje no Brasil um conjunto de várias empresas, ora de capital nacional, ora de capital estrangeiro, que está se especializando para atuar nesse setor . E qual é o lance? Vou me apropriar de terra pública na Bahia, ou no Piauí, Maranhão, Tocantins,  que vão ser transferidas a essas empresas a preço de banana ou legalizadas através de mecanismos de grilagem.

Então, de fato, os países não têm interesse na compra de terra brasileira? Não há nenhum setor que tenha interesse nesse mercado?

As terras que estão nas mãos de estrangeiros são apenas 0,5% do território brasileiro. O que está em jogo é essa coisa de criar um conjunto de informações que interessam à especulação imobiliária. Há dois setores que as empresas estrangeiras têm interesse de comprar diretamente para produzir que é o setor de floresta, para celulose ou madeira, e o setor de cana-de-açúcar. Nesses dois setores as empresas têm interesse direto porque eles têm que fazer plantio de sua própria matéria prima.

No setor de grãos, por exemplo, isso não existe. As grandes empresas mundiais no setor de grão não plantam um pé de soja. Elas têm o monopólio da comercialização. Esses são os dois únicos setores que exercem uma certa pressão.

Então qual o intuito de abrir para o mercado externo?

A ideia é abrir a possibilidade para quem tem dinheiro comprar terra. Porque a terra está tão cara no Brasil, que ninguém aqui mais quer comprar. Agora, para o capital internacional de repente é interessante. É uma manobra dessas empresas mais novas que estão se constituindo em empresas de controle de propriedade de terra, que tem na terra a sua mercadoria. A ideia é criar um ambiente favorável a especulação imobiliária.

O capital estrangeiro já pode comprar hoje um quarto do Brasil, e eles só têm cerca de 4 milhões. Se você olhar o dado de 1972 do Incra, os estrangeiros tinham 7 milhões de hectares. Então esse número diminuiu. Por que que foi o Incra que tratou de fazer toda essa divulgação? Porque começou com eles. E quem é que teria que controlar terra de estrangeiro? O próprio Incra.

E sobre um possível interesse no comércio de carbono e, mais recentemente, no mercado de reservas ambientais,  que possivelmente será iniciado com o novo Código Florestal?

Você acertou na mosca, mas é uma hipótese futura. Vai acontecer? Ninguém sabe.

No Brasil estamos vivendo uma situação de terra arrasada. O agronegócio acabou com a vegetação nativa, desrespeitou todas as leis e vai ser perdoado. Porque eu acredito que eles vão derrubar o veto da Dilma. Quanto mais a terra é arrasada, mais eles se livrarão dos crimes que cometeram. E ninguém fala que eles cometeram crimes. O assunto central é a ação do agronegócio brasileiro. Esse é o nó da estrutura fundiária brasileira.

É o que brasileiros fazem com a terra. É o que os latifundiários estão fazendo. Só que esse assunto mexe com o coração da esquerda brasileira. O problema é que ninguém fala mais da reforma agrária. O Brasil tem dois conflitos por terra por dia e nada disso aparece na mídia.

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