De mansinho, ProSAVANA passa no meio de contestação e Governo prepara terreno para investidores

20-5-2015, Verdade
Medium_prosavana_mapa_close

O coro de lamúrias dos camponeses do norte de Moçambique, que travam batalhas para manter as suas terras perante a apetência dos investidores estrangeiras, prevalece. Porém, contra toda a corrente de contestação das agremiações e organizações da sociedade civil que congregam ou defendem os interesses desta camada, o ProSAVANA, um programa do Governo moçambicano, apoiado pelo Japão e Brasil, com o qual se pretende resolver o problema da falta de produção e produtividade e do fraco acesso aos mercados, é irreversível. O plano director para a sua implementação será aprovado até ao fim deste ano.

Desde a sua divulgação, o programa em questão tem sido marcado por polémicas tal como acontece relativamente aos empreendimentos do sector de mineração que arrastaram milhares de moçambicanos para a miséria a partir do momento em que os nativos foram afastados das suas terras com promessas de uma vida melhor que não passou de letra-morta. O maior receio resulta do facto de se tratar de um projecto “importado” do Brasil, onde a sua implementação fracassou, e milhares de pessoas perderam as suas terras e tornaram-se nómadas.

Em Moçambique, a agricultura é a “base do desenvolvimento nacional” no papel e este axioma tornou-se um chavão político. Aliás, há uma elite política envolvida no negócio mas com as atenções para o mercado externo. Por exemplo, o antigo Presidente da República, Armando Guebuza, e a sua família são alguns dos que não passam despercebidos nos anais sobre a usurpação subtil da terra para benefícios próprios. Ele é considerado um dos investidores na AgroMoz, uma firma bastante activa na transformação em curso no Corredor de Nacala e que opera no coração da zona produtora de soja da região. O seu filho, Mussumbuluko Guebuza, tem ligações com a Agro Alfa.

No posto administrativo de Muatuali, no distrito de Melema, província de Nampula, mais de uma centena de camponeses rejeita o plano que será praticado em seis corredores de desenvolvimento agrário, nomeadamente Maputo, Limpopo, Beira, Vale do Zambeze, Nacala e Pemba-Lichinga, alegadamente porque temem perder as suas terras a favor de uma elite de governantes e investidores estrangeiros.

A negação foi manifestada recentemente numa auscultação pública levada a cabo pela Direcção Provincial da Agricultura e Segurança Alimentar. No encontro, alguns agricultores que se dedicam a esta actividade ao longo do Corredor de Nacala disseram que o Executivo não tem sido claro em relação ao que pretende com o seu megaprojecto agrícola.

António Limbau, coordenador do ProSAVANA, afecto ao Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar, considerou, num encontro em Maputo, que o problema não é o programa em si, mas, sim, “o medo" dos agricultores.

Em Nampula, os camponeses comparam o ProSAVANA ao programa da empresa brasileira AgroMoz já em curso no posto administrativo de Lioma, na fronteira entre as províncias da Zambézia e Nampula, onde mais de mil camponeses do povoado de Wakhua foram desapropriados das suas terras por aquela companhia, para dar lugar à famigerada produção de soja, numa área de cerca de três mil hectares.

A população abrangida foi enganada com compensações que não correspondiam aos bens que possuíam, num processo pouco transparente. Além de não terem sido reassentadas, as vítimas não tiveram acesso a novos espaços para prosseguirem a sua actividade de cultivo de alimento para a sua subsistência e a dos seus respectivos agregados familiares.

Alberto Jacinto é um dos agricultores de Muatuali que perdeu cerca de cinco hectares a favor da AgroMoz, e disse que não gostaria que tal situação se repetisse com outras pessoas.

Desesperado, Alberto recorreu a um vizinho que lhe cedeu uma pequena parcela de terra, na qual a produção não vai para além de cinco sacos de milho e três de feijão, com capacidade para 90 quilogramas cada, que se destinam somente a assegurar a alimentação da sua prole. “Em Lioma eu a e minha família produzíamos o suficiente e sobrava para vender com vista satisfazer as outras necessidades básicas”.

O agricultor que hoje se mantém no ofício a trabalhar numa terra emprestada de quem ainda não foi lesado, contou que a AgroMoz, quando chegou à sua comunidade, prometeu emprego e outras formas de compensação a muita gente, bem como a ensinar os métodos de aumento da produção e produtividade, sobretudo aos agricultores que cedessem largas extensões das suas machambas, o que até hoje não aconteceu.

“Quando nos aproximamos da empresa a fim de exigirmos o cumprimento das promessas feitas, somos ameaçados com recursos a armas de fogo; por isso digo 'não' ao ProSAVANA, porque o projecto é o mesmo”, concluiu Alberto.

O programa a que nos referimos, segundo António Limbau, abrange 19 distritos das províncias de Nampula, Zambézia e Niassa, num total de 800 mil famílias, e "não pretende arrancar terras a ninguém", mas, sim, "melhorar as condições de vida, através da produtividade agrária e diversificação dos produtos".

Contudo, Daniel Passarinho, outro agricultor de Muatuali, no regulado de Nakharari, também não olha para o ProSAVANA com bons olhos em virtude de ter perdido cerca de 20 hectares que herdou dos seus antepassados. Ele, que teve a sorte de ser afecto à AgroMoz para limpar os campos durante três meses e depois foi afastado, narrou que recebeu apenas cinco mil meticais de compensação, valor que considera irrisório.

À semelhança de Alberto, Daniel produz, presentemente, milho e feijões em pequenas quantidades só para a sua alimentação numa terra com um hectare emprestada por outro camponês de boa-fé. “Antes eu produzia mais de dez toneladas de produtos diversos mas tudo reduziu-se a nada. Recusamos a implementação do ProSAVANA no nosso território”. O nosso interlocutor contou que aquela empresa prometeu ainda construir um posto de saúde, salas de aula melhoradas e reabilitar a estrada que liga a vila sede de Muatuali a Lioma, local onde se encontra instalado o projecto, num troço de cerca de trinta quilómetros, mas nada foi feito.

Marcelino Miguel, outro camponês de Muatuali, está contra o uso de agrotóxicos nos campos agrícolas, alegadamente porque estes prejudicam sobremaneira a população circunvizinha, sobretudo as crianças. “Quando nos dirigimos à empresa a fim de manifestarmos a nossa inquietação somos ameaçados e não temos outro recurso. Acredito que o ProSAVANA é um plano que não salvaguarda os nossos direitos”.

Os camponeses de Gurúè, província da Zambézia, também disseram, categoricamente, “não”ao programa do Governo e dos seus parceiros brasileiros e japoneses.

Por seu turno, Joaquim Tomaz, um dos quadros da Direcção Provincial da Agricultura e Segurança Alimentar em Nampula, que chefiou a comissão de auscultação naquela parcela do país, disse aos camponeses que reconhecia as sua inquietações, principalmente os receios em relação ao ProSAVANA. Aqueles agricultores cujas terras foram expropriadas, eventualmente por falta de fiscalização do Governo, irão ser alvo de um trabalho no sentido de se reduzir a desconfiança entre os investidores e as populações.

Joaquim afirmou que as reuniões que o Executivo tem estado a levar a cabo em diferentes regiões do país visam dissipar equívocos e criar modelos de distribuição de DUAT aos camponeses para melhor gerir os conflitos de terra, o uso de agrotóxicos, entre outros problemas.

Victor Borges, governador de Nampula, sublinhou que “não é intenção do Governo retirar a terra dos camponeses. Nampula tem cerca de quatro milhões de hectares de terra arável, do quais apenas 2.000.100 hectares é que estão a ser aproveitados”, e as queixas dos agricultores derivam da falta de informação, o que gera desconfiança.

Who's involved?

Whos Involved?


  • 13 May 2024 - Washington DC
    World Bank Land Conference 2024
  • Languages



    Special content



    Archives


    Latest posts