Moçambique: missionárias contra os "ladrões de terras"

24-10-2017, IHU
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Os campos de cebola de irmã Izolde, com floração em agosto e verdejantes em setembro, são quase lendários em Natalea, na fronteira entre Nampula e Niassa. A alface, a papaia e o maracujá se destacam como explosões de cor na savana árida e fosca. Estamos no nordeste do Moçambique rural, onde a terra é tão preciosa quanto o ouro. Se não mais. A irmã Izolde Forigo, brasileira, da congregação da Imaculada Conceição, também engenheira agrônoma, vive nessa aldeia desde 1997. Em 2007, fundou a escola profissional agrícola para a agricultura familiar, com 38 alunos.

A reportagem é de Ilaria De Bonis, publicada por Avvenire, 20-10-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

“O sucesso do método é devido à pedagogia da 'alternância’", explica ela. Os alunos alternam duas semanas de trabalho nos campos (a ‘cachamba’ da família) e duas semanas de treinamento na sala de aula. Aprendem assim a transformar a savana dura e fértil em plantações de feijão, mandioca e milho. E fazem isso se mantendo um estreito contato com a família ampliada. Na escola estudam a forma de comercializar os produtos. "O método nasceu na França, em 1935, e foi desenvolvido no Brasil: cultivar a terra é parte de ser comunidade", explica a irmã Izolde. Em Natalea chegamos guiados pela Irmã Rita Zaninelli, comboniana, ativista do movimento católico Justiça e Paz.

A primeira etapa de uma longa viagem na trilha dos "ladrões de terras", em um país que é cada vez mais alvo do land grabbing, a 'apropriação de terras’. "Aqui no norte as multinacionais estão transformando milhares de hectares de terras comunitárias em monoculturas de soja, girassol e jatropha", explica a religiosa. O oposto do que há anos vem pregando a irmã Izolde. As distâncias entre um distrito e o outro em Moçambique são enormes: centenas de quilômetros separam irmã Rita (na casa das combonianas em Nampula) e a irmã Izolde. Mesmo assim, elas conseguem se encontrar e lutar juntas contra o avanço das empresas, especialmente joint ventures entre Brasil e Portugal, como a Mozaco. "Os métodos do land grabbing são variados - explica irmã Rita - por exemplo, agora começam a delimitar as terras das famílias individualmente".

Uma vez "cercados", esses campos tornam-se visíveis. E, portanto, mais facilmente englobáveis pelas empresas. O sistema é simples e perverso: "Os proprietários das empresas estrangeiras (bem como moçambicanas), uma vez obtida uma concessão do governo, apossam-se pedaço por pedaço, hectare por hectare da ‘cachamba’ comunitária, que pertence à família em virtude do direito consuetudinário”' explica a comboniana.

Comprovar a propriedade da terra é quase impossível. "Em troca - explicam as duas missionárias – as empresas oferecem algum dinheiro, ou promessa de construir escolas e serviços". Mas depois não o fazem.

Em Natalea a vida é dura e é fácil ver isso: chegamos ao rio Lúrio, o rio que separa fisicamente a província de Niassa de Nampula. O espetáculo é fascinante: do outro lado do rio quase seco, que será atravessado por canoa, destaca-se o verde das plantações de fumo. "As famílias procuram cultivar produtos vendáveis no mercado, mas os preços são cada vez mais baixos", relata a irmã Izolde. Enquanto ela fala, as crianças olham a nossa cesta de almoço. Não pedem nada. Apenas olhos focados. Grandes como lagos.

A irmã Izolde distribui a todos coxas de frango e uma garrafinha de suco de laranja. E então brotam sorrisos. "Como podem sobreviver comunidades inteiras com a concorrência predatória das multinacionais?", questiona a freira. O futuro de milhares de pessoas já parece selado. Mas o trabalho das missionárias é compartilhado: a irmã Rita Zaninelli trabalha com ativistas locais, entre os quais o jovem advogado Assane Tipas. Visita até mesmo as comunidades mais remotas do interior moçambicano.

Fornece suporte legal. Dirigindo um jipe branco nos leva para a cidade de Malema: no outro extremo do corredor de Nacala. Em uma cabana isolada no meio da savana, rodeada por soja da Mozaco, vive mama Luisa, de 82 anos. Todos os dias precisa lidar com os venenos dos pesticidas usados "em escala industrial" pela empresa. Está em risco a sua saúde e a de sua neta Angelina, de poucos meses. "Justiça e Paz visa a ’libertação’ dos camponeses vítimas dos abusos: aprender a lutar juntos já é um resultado", diz a irmã Rita. Ela percorre todos os meses milhares de quilômetros saindo de Nampula, parando em Mutuali ou Nacala, até chegar ao porto, onde há outra missão comboniana. A sua rede são as co-irmãs. Apoio e consolo.

A frase que ela ouve pronunciar com mais frequência vindo dos líderes comunitários em luta pela terra é "estamos juntos!". Uma conexão mais física que virtual. "Embora não tenham nem celulares, nem bicicletas ou outros meios de transporte, tentamos colocar os agricultores em rede. Mas, com que esforço!", afirma Rita. O vínculo nessa rede é sempre ela, e o método é procurar ligações transversais. Colocar em contato a sociedade civil moçambicana, o método brasileiro dos sem-terra, os missionários, as ONGs e os jornalistas. A Igreja, que faz uma rede com o mundo. Nem um pouco fácil, mas o único caminho disponível.
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