A corrida por terras agrícolas levou investidores estrangeiros a adquirir pelo menos 83 milhões de hectares em países em desenvolvimento entre 2000 e 2010, segundo o Deutsche Bank. O total equivale a 1,7% da área agricultável global e é muito superior aos 50 milhões de hectares utilizados para o plantio de grãos no Brasil na safra 2012/13.
O Brasil é um dos alvos da cobiça estrangeira, liderada por China, Arábia Saudita, Kuait, Qatar, Bahrein e investidores dos EUA. As compras de terras brasileiras somaram 2,6 milhões de hectares no período. Para o banco, o objetivo dos investidores é garantir acesso a alimentos e água.
A corrida por terras agrícolas levou investidores estrangeiros a adquirir pelo menos 83 milhões de hectares em países em desenvolvimento de 2000 a 2010, de acordo com análise do Deutsche Bank baseada em dados do Land Matrix, uma base pública de dados sobre negócios do gênero.
A reportagem é de Assis Moreira e publicada pelo jornal Valor, 16-11-2012.
Mas, ao mesmo tempo, investidores do Brasil engrossam os aportes. Estão entre os que adquiriram terras na África, com destaque para o Sudão, visando ao plantio de soja, algodão e outras commodities agrícolas, mas a preferência continua ser apostar as fichas em países vizinhos, como Paraguai e Bolívia.
Os investimentos globais são guiados por tendências de longo prazo, como o crescente consumo de alimentos e biocombustíveis num cenário de disponibilidade limitada de terras aráveis, água e energia. De acordo com o banco alemão, o objetivo desses investidores é justamente assegurar acesso a alimentos e água, além de obter retorno financeiro como um ativo alternativo. Boa parte da produção nessas terras é para exportação.
Dois terços dos países-alvo das transações terão um aumento no consumo de água estimado em mais de 12% como resultado dessas grandes aquisições de terras.
Diante da falta de transparência nesse tipo de investimento, o banco considera "confiável" pelo menos metade das transações relatadas - o que significa a compra por estrangeiros de 32,7 milhões de hectares, o equivalente aos territórios de Alemanha, Bélgica e Holanda juntos, ou 0,7% das terras agrícolas do planeta.
O estudo mostra que, se entre os investidores privados destacam-se os americanos, entre os estatais são os do Golfo Pérsico que despontam. Mais recentemente é que se fortaleceram os aportes no exterior de investidores de países como China (boa parte estatais), Brasil, África do Sul, China e Índia, entre outros emergentes da Ásia. O amplo envolvimento de emergentes é também considerado sintomático das novas tendências nas relações Sul-Sul.
Para o Deutsche Bank, investimentos privados na agricultura em outros países fazem sentido, já que até 2050 serão necessários aportes de US$ 83 bilhões ao ano, em média, para incrementar a produção, 50% maior que montante atual.
Na África, as aquisições por estrangeiros entre 2000 e 2010 representaram 4,8% das terras agrícolas do continente, ou uma área equivalente à do Quênia. Na América Latina, os estrangeiros compraram, segundo o estudo, 1,2% das terras agrícolas, enquanto na Ásia o percentual ficou em 1,1%.
A maioria dos alvos dessas transações são países exportadores líquidos de alimentos, com frágil governança no setor de terras e outros problemas, como a corrupção.
O banco aponta "riscos significativos" associados a investimentos em terras agrícolas. O principal desafio é o respeito aos direitos econômicos e sociais das populações locais, além da preservação da sustentabilidade ambiental.
Mas, para o Deutsche, há evidências de que modelos de cooperação entre investidores e pequenos agricultores também podem funcionar - um exemplo é a garantia da compra da produção. Conforme a instituição, parcerias como essas podem beneficiar a produtividade e reduzir a pobreza sem necessariamente envolver transferência de terra.
Para os "financistas", diz o banco, investimentos em terras agrícolas são atraentes por várias motivos. A começar pela boa perspectiva de lucros no longo prazo, diante do previsto aumento da demanda por alimentos, que deve elevar os preços. O retorno varia dependendo da região e do tipo da terra, e pode chegar a 20% na África e a até 30% no Brasil.
Em consequência da escassez de terras - e apesar dos limites às aquisições por estrangeiros em países como o Brasil -, os preços estão em ascensão. Negócios como sequestro de carbono e outros serviços ambientais (diversidade, disponibilidade e qualidade de água, etc.) podem elevar ainda mais os valores.
Contexto
A compra de terras em países em desenvolvimento na África e na América Latina tem como principal razão a tentativa de grandes mercados consumidores garantirem matéria-prima agrícola para o seu consumo doméstico. Mas os preços de terras nesses continentes é o que possibilita as grandes aquisições.
Nos Estados Unidos, onde não há restrições para aquisições de estrangeiros, os preços por hectare arável oscilam entre US$ 10 mil e US$ 20 mil, dependendo da região agrícola.
O mesmo acontece na Europa. A esse patamar de preços, os retornos do investimento em terras para agricultura diminuem muito, levando o foco dos investidores inevitavelmente para países mais baratos, explicou Jonathan Lassers, presidente do Ariel Investment Management, do Uruguai, em um recente seminário sobre o assunto realizado em Cingapura.
De acordo com Lassers, o arrendamento de terras de qualidade na Ucrânia, por exemplo, chega a sair por US$ 100 por hectare. Na Polônia e na Romênia, US$ 200.
No Brasil, existem restrições à compra de terras por estrangeiros - a Advocacia Geral da União determina que eles devem ter participação inferior a 50% em propriedades rurais. O limite tira liquidez do mercado, mas os preços estão em alta. Segundo José Vicente Ferraz, diretor técnico da Informe Economics-FNP, o hectare chega a R$ 16,3 mil em Santa Catarina, R$ 3 mil na Bahia e R$ 4 mil em Mato Grosso.