18-3-2014, Voz da América
Maria Cláudia Santos
A Odebrecht e a prestadora de serviços da empreiteira brasileira, Pirâmide, foram intimadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), de São Paulo, a esclarecer denúncias de possível aliciamento de brasileiros para trabalho similar ao escravo em Angola.
O Procurador do Trabalho, Rafael de Araújo Gomes, em Araraquara (SP), encarregado do caso, espera ouvir as empresas em audiência marcada para o dia 31 de Março.
O MPT instaurou, no fim do ano passado, o processo para investigar as denúncias de ex-funcionários contra as condições de trabalho na construção do complexo industrial Biocom, na província de Malanje, em Angola. O complexo é uma sociedade entre a Odebrecht (40%), a angolana Damer (40%) e a estatal petrolífera Sonangol (20%).
Dezenas de processos denunciando as irregularidades na relação de trabalho tramitam na justiça trabalhista do interior de São Paulo, onde os operários enviados a Angola foram recrutados. De acordo com a assessoria de imprensa do MPT, o órgão juntou os processos trabalhistas movidos contra as empresas pelas supostas más condições na obra e, a partir da investigação, decidirá pela procedência ou não de uma acção judicial contra as empresas.
Só em Araraquara, o advogado José Maria Campos Freitas conduz acções de 60 ex-funcionários da obra do complexo industrial, em Angola. São brasileiros de vários estados, montadores, soldadores, especializados em montagem industrial, que foram trabalhar para Malanje.
Falsas promessas aliciaram brasileiros
O advogado revela que os operários relataram ter enfrentado cárcere privado, retenção de passaportes e condições insalubres nos alojamentos, sendo que grande parte das atrocidades foi filmada. A exploração, de acordo com José Maria, começava com a empresa Pirâmide aliciando os brasileiros com falsas promessas.
"Um convencimento de que lá [Angola] seria uma maravilha, que eles iriam ganhar muito dinheiro e teriam boas condições de trabalho,” disse o advogado.
“Quando eles chegaram lá, o visto era de turista e não de trabalho. Então, eles tiveram o passaporte retido quando chegaram ao território angolano. Por consequência, eles não puderam sair da obra, onde eram vigiados por segurança armada, um equipamento bélico, de guerra. Seria análogo à cárcere privado, também está dentro do rol daquelas actividades em que as empresas transformam os seus empregados em escravos," denuncia.
"Eles eram obrigados a ficar em condição cativa, inclusive, para troca de moeda, compra de géneros de primeira necessidade, de carácter pessoal como pasta de dentes, sabonete, etc," acrescentou.
O advogado conta que os trabalhadores só conseguiram livrar-se da situação porque muitos ficaram doentes.
''Como eles acabaram pegando tifo, febre amarela, malária, outros se acidentaram, eles acabaram fazendo uma revolta interna para que pudessem sair do país. Chegando aqui, isso foi descoberto porque passou pelo Sistema de Saúde brasileiro, que colocou os empregados em quarentena," disse.
Trabalhadores pedem compensação por danos morais e materiais
Diante do verdadeiro drama que teria sido vivido pelos brasileiros, o advogado explica que os trabalhadores pedem na justiça pagamento de Domingo a Domingo, que teriam trabalhado de sol a sol, sem descanso.
“Aqueles que se acidentaram pedem compensação dos danos materiais pelos acidentes. Pela condição sub-humana de trabalho pedem compensações pelos danos morais. Pelas condições precárias de higiene e alimentação, porque existiam ratos, baratas e outros insectos, além da ausência de banheiro nas obras," detalha. "Tudo isso foi relatado por eles mesmos e filmado. Eles tiveram a felicidade de registar isso via celular e as imagens foram anexadas ao processo," acrescentou.
O advogado garante que a Odebrecht e contratantes dela estavam cientes de tudo o que acontecia com os brasileiros, já que os encarregados estiveram em território angolano.
Em primeira instância, a justiça brasileira tem determinado que os trabalhadores que entraram com acções contra as empresas sejam indemnizados.
Empresas acusadas negam denúncias
A Odebrecht e a Pirâmide recorrem das acções e negam todas as acusações. A empreiteira encarregou a Biocom de responder às denúncias. De acordo com a Companhia de Bioenergia de Angola foram fornecidas instalações sociais e condições de trabalho condizentes com o exigido nas legislações angolanas e brasileiras. Em nota, a Biocom afirma também que as denúncias de cárcere privado não procedem, destacando que os empregados saíam, inclusive, para lazer. Ainda segundo a Biocom, a empresa presta apoio no retorno de todos os empregados das suas subcontratadas que manifestam o desejo de regressar ao Brasil.
A Pirâmide também garante que a contratação dos empregados (para a obra em Angola) ocorreu em absoluto respeito à legislação trabalhista brasileira. De acordo com a Pirâmide, nas instalações da Biocom foram proporcionados meio ambiente de trabalho e social condizentes com as exigências da lei.
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