Controle de compra de terras por estrangeiros não mexe em negócios passados

 

 

Correio Brasilienze | 25 de agosto de 2010

Lúcio Vaz

O parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que impõe limite de tamanho e maior controle à aquisição de terras por estrangeiros tem efeitos somente a partir da última segunda-feira. As terras compradas antes desse período por empresas brasileiras controladas por capital externo não estão sujeitas às novas regras. Mesmo que tenham extensão acima dos limites previstos em lei, essas propriedades não precisarão ser vendidas nem contar com sócios majoritários nacionais. Ainda há dúvidas se o governo passará a ter, pelo menos, o controle desses terrenos, que podem atingir 10 milhões de hectares, segundo cálculos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A lei prevê que empresas de fora ou controladas por estrangeiros precisam de autorização do Congresso Nacional para comprar propriedades com mais de 100 módulos rurais (ver quadro). Nas regiões mais remotas do país, isso significa 5 mil hectares. Em Mato Grosso, por exemplo, são apenas 1,5 mil hectares. Só a multinacional argentina El Tejar comprou 40 mil hectares e arrendou mais 140 mil hectares no estado.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou, há um mês, que os cartórios de registro de imóveis informem tanto as novas aquisições quanto o estoque de propriedades já compradas por empresas brasileiras com capital estrangeiro majoritário. Mas a AGU entende que os cartórios não têm obrigação de prestar informações sobre os registros feitos no passado. “Não havia a necessidade de registro no livro especial. Os cartórios não têm obrigação de fazer o registro daquilo que existia”, argumentou o consultor-geral da União, Ronaldo Vieira Júnior, responsável pelo parecer.

O CNJ determinou que os cartórios prestem informações às corregedorias dos tribunais de Justiça nos estados, que as repassarão ao Incra. Atualmente, cerca de 4,3 milhões de hectares de terras de estrangeiros estão registrados no cadastro do instituto, mas o seu presidente, Rolf Hackbart, avalia que esse número pode ser até cinco vezes maior, considerando as empresas brasileiras com capital estrangeiro. O novo parecer da AGU equipara essas empresas às estrangeiras.

Segurança jurídica

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, reconheceu, em entrevista coletiva, ontem, que ficam criados, na prática, dois tipos de empresas brasileiras com capital estrangeiro: o primeiro grupo comprou terras sem os limites impostos a estrangeiros, enquanto o segundo terá que respeitar os limites da Lei n° 5.709/1971. No entanto, Adams salientou que, “a bem da segurança jurídica, o parecer não pode retroagir. Seria o caos jurídico. Vão existir realmente dois tipos de empresas”. Adams reconheceu que houve pressão de grupos econômicos, mas assegurou que isso não teve efeito sobre a decisão do governo.

O parecer elaborado pela AGU e assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sustenta, em síntese, que está em vigor a Lei n° 5.709/1971. Um parecer anterior da AGU, aprovado em 1994 e reafirmado em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, tinha entendimento contrário. Equiparava as empresas nacionais às empresas brasileiras controladas por estrangeiros. Adams foi questionado se as aquisições feitas por essas empresas entre 1994 e 2010 não estariam ilegais, uma vez que contrariavam a lei de 1971. O ministro argumentou que, assinado pelo então presidente da República, o parecer tinha o valor de norma legal.

Compra restrita

Conheça as restrições impostas a estrangeiros determinadas pela Lei n° 5.709/1971:

» A extensão total de terras pertencentes a estrangeiros fica limitada a um quarto da superfície do município;

» Propriedades de uma mesma nacionalidade não podem ocupar acima de 40% da área total de estrangeiros;

» É vedada a doação de terras da União e dos estados a pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras;

» É necessária a vinculação dos imóveis rurais adquiridos aos objetivos estatutários das empresas;

» É necessária a aprovação prévia do Conselho de Defesa Nacional em caso de imóveis rurais localizados em faixa de fronteira;

» É necessário o registro em cadastro especial de terras de estrangeiros nos cartórios de registro de imóveis.

Limites de área

O tamanho de Módulo de Exploração (MEI) varia de 5 a 100 hectares, de acordo com o município. Saiba como a Lei n° 5.709/1971 limita as aquisições de terras por estrangeiros:

Até 3 MEIs

Aquisição livre para estrangeiros residentes do Brasil (exceção para imóvel localizado na faixa de fronteira).

 

De 3 a 20 MEIs

Autorização condicionada à aprovação de projeto de exploração pela empresa.

Acima de 50 MEIs

Em área contínua ou descontínua (pessoa física), com autorização do Congresso Nacional.

 

Acima de 100 MEIs

Em área contínua ou descontínua (pessoa jurídica), com autorização do Congresso Nacional.

Ninguém perde terreno

As empresas estrangeiras que detêm as maiores propriedades no Brasil não terão que se desfazer de suas terras com o novo parecer da AGU. A empresa O Telhar, vinculada à multinacional argentina El Tejar, por exemplo, ocupa 180 mil hectares em Mato Grosso. Nos municípios onde acumula mais terras — Primavera do Leste e Nova Mutum —, o módulo de exploração tem 30 hectares. Empresa brasileira de capital estrangeiro que comprar terras nesses municípios a partir de agora precisará de autorização do Congresso Nacional se a propriedade tiver mais de 1,5 mil hectares. A empresa O Telhar manterá suas posses intactas.

Em Mato Grosso do Sul, a empresa de celulose Internacional Paper, com capital notrte-americano, também vai manter suas terras, concentradas em Glória de Dourados (16,9 mil hectares). Lá, o módulo tem 10 hectares. O limite para novas aquisições por estrangeiros é de 500 hectares.

A multinacional sueco-finlancesa Stora Enso enfrentará uma situação pecualiar na região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, onde o limite para estrangeiros é de 1,25 mil hectares por município. A empresa já recebeu autorização “prévia” do Conselho de Defesa Nacional (CDN) para comprar 46 mil hectares. A decisão foi tomada pelo CDN com base no parecer anterior da AGU. Agora, a multinacional terá que comprar mais 54 mil hectares com base no novo parecer.

Join ventures

Representantes de empresas estrangeiras estavam na sala onde o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, concedeu a entrevista coletiva ontem. O advogado Caio Leonardo Rodrigues, que representa um escritório especializado no atendimento de empresas ligadas ao agronegócio e à produção de energia, afirmou que o novo parecer “vai gerar uma onda de join ventures (associação entre companhias estrangeiras e nacionais”. Ele disse ainda que há muito interesse por terras brasileiras, mas alertou que as empresas de fora “não querem se submeter” a empreendimentos brasileiros. O advogado levantou dúvidas sobre a constitucionalidade do parecer da AGU.
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