A era dos estrangeiros

31 de março de 2011, Diario de Cuiaba

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Números oficiais apontam para menos de 1 milhão ha em mãos estrangeiras, mas a realidade pode ter outra dimensão


Capital internacional está cada vez mais presente na produção mato-grossense. Aquisições ditam tendência e provocam espanto

MARCONDES MACIEL, Da Reportagem

Custos elevados de produção, aliados às dificuldades dos produtores em administrar grandes propriedades, estão levando a uma expansão do domínio estrangeiro em áreas de produção agrícola em Mato Grosso. Oficialmente, segundo o Sistema Nacional de Cadastro Rural do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), 844 mil hectares estão sob o controle dos “gringos”, seja através de arrendamento ou mesmo de aquisições feitas por empresários rurais, grupos ou corporações internacionais.

Considerando que área sob uso das atividades agrícola e pecuária ocupa cerca de 36 milhões de hectares, temos atualmente pouco mais de 2% saindo de mãos mato-grossenses. O percentual pode parecer pequeno, mas a velocidade com que os negócios se dão é que assusta. O produtor local não vislumbra nenhum cenário a curto e médio prazo de rentabilidade capaz de frear, o que para muitos, se mostra como “tendência”, diante de um segmento descapitalizado.

Na maior parte das vezes, o capital externo destina-se a subsidiar atividades ligadas ao agronegócio, como a produção de grãos (soja e milho), além de algodão e cana-de-açúcar. O montante de terras sob o controle estrangeiro revela a fragilidade do sistema brasileiro, que não possui limitações quanto à ocupação no território nacional, apesar de uma lei recente proibir aquisições de terras por estrangeiros.

O levantamento do Incra mostra que as terras “internacionalizadas” estão distribuídas entre 1,23 mil propriedades em Mato Grosso. A preferência pelo Estado colocou-o em uma posição absoluta. Em outros estados, apesar do total de propriedades ser maior, suas áreas são menores.

"Muitos estrangeiros enxergam no Brasil a única alternativa de crescimento da agricultura e pecuária mundial. Com isso, estão acelerando os investimentos em regiões de fronteiras, que ainda têm potencial de valorização", explica o analista Paulo Henrique Dias.

O processo de “internacionalização” das terras, em Mato Grosso, é confirmado pelo Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), apontando que em 2010 a participação estrangeira somou 4% de todas as terras agricultáveis do Estado. Otávio Celidônio, superintendente do Instituto, não revelou o total da área ocupada pelos estrangeiros na região, alegando que o estudo ainda não foi concluído.

“Notamos, porém, uma mudança no perfil da posse das propriedades. Nos Estados Unidos, por exemplo, o maior produtor de soja é um fundo de investimentos. E, na América Latina, isso também já vem acontecendo. A participação estrangeira vem crescendo porque o interesse em investir aqui é cada vez maior”, frisa Celidônio.

Ele revela que 20% da safra mato-grossense têm participação direta ou indireta de capital estrangeiro. “Mato Grosso é o estado com a maior densidade de investimentos internacionais no país. A concentração é uma tendência mundial e não fugimos à regra”, diz ele.

O levantamento do Incra aponta também que Mato Grosso é o que apresenta maior concentração de terras por proprietários de fora do país. Isto quer dizer que, com o passar do tempo, o interesse pelo território aumentou e a introdução do capital de outros países estabeleceu uma competição com os produtores nacionais.

“Esta concentração é explicada pela necessidade dos produtores expandirem seus investimentos, diluindo custos e responsabilidades em um sistema de gestão profissionalizada”, ressalta o superintendente do Imea. Ele diz que um produtor com até 1 mil hectares consegue administrar bem a sua propriedade. “Quando esta área é ampliada para cinco mil ou dez mil hectares, a situação muda completamente e, na maioria das vezes, o produtor perde o controle e não consegue administrá-la com a mesma eficiência. É isso que faz a diferença e que está levando a este processo se expandir mais rapidamente”.

Internacionalização pode ampliar com endividamento

Da Reportagem

O alto nível de endividamento rural é apontado como uma das causas da “internacionalização” das terras produtivas do Estado, podendo aumentar a concentração de investimentos estrangeiros. De acordo com estudos de entidades produtoras, 20% dos produtores rurais estão sem capital para quitar dívidas bancárias, contraídas em 2004 e alongadas até este ano. Em um universo de 5 mil produtores rurais, cerca de mil deles estariam sem condições de pagar suas dívidas.

“Existem distorções que precisam ser corrigidas”, aponta o diretor executivo da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja/MT), Marcelo Duarte Monteiro. Segundo ele, muitos produtores estão com dívidas “infladas” em relação aos valores contraídos por conta das “elevadas taxas de juros e ágios extorsivos”. Para Monteiro, a prorrogação [das dívidas rurais] “é uma falsa ilusão de ajuda” quando feita nesses critérios.

“A prorrogação é necessária, no caso do endividamento contraído naqueles moldes, desde que os valores e os juros sejam congelados. Temos informações de produtores que estão abrindo mão de parte de seu patrimônio só para pagar dívida”.

Na avaliação de Marcelo Monteiro, a dívida é um mal necessário, pois o produtor precisa comprar máquinas e fazer outros investimentos. “Mas há um bolsão que vem se arrastando há anos e que precisa ser resolvido. A dívida é factível e precisamos de agentes financeiros para repassar o crédito. Sem eles o produtor pouco pode fazer”.

O problema, conforme o diretor da Aprosoja/MT, é que houve um “descompasso” entre a renda do produtor e a dívida. “Nas safras 2005, 2006 e 2007, a rentabilidade foi negativa e as dívidas prorrogadas foram correndo a juros altíssimos. Isso acabou quebrando o produtor e até, inviabilizando o pagamento do saldo devedor”.

Monteiro lembra que muitos produtores compraram à época máquinas com valores bem acima do mercado. Uma máquina adquirida por R$ 200 mil, por exemplo, atualmente está com saldo corrigido de R$ 1 milhão. “A máquina foi comprada com ágio e juros de 13,5%. Agora os juros caíram para 4,5% e não há ágio. É essa distorção que precisa ser corrigida”.

Para Marcelo Monteiro, “dívida é bom” porque oxigena a economia e dá condições do empresário ou produtor ampliar seu negócio, aumentar a produção e gerar mais empregos. “Mas as taxas de juros precisam ser compatíveis com a atividade e a política agrícola tem de garantir um estímulo a mais aos produtores para que ele possa permanecer na terra”. (MM)

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