ProSavana: Manipulações, mentiras e meias verdades

Verdade | 8 Novembro 2013
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ProSavana: Manipulações, mentiras e meias verdades           

Escrito por Justiça Ambiental  

A Justiça Ambiental participou na II Conferência Internacional Camponesa sobre a Terra, organizada pela UNAC nos dias 15 e 16 de Outubro. Neste encontro, além do incontornável ProSavana, foram discutidas questões cruciais como a usurpação de terra, a necessidade urgente de apoio à agricultura familiar e a legislação sobre as sementes e o potencial perigo que alterações a esta para acomodar o agro-negócio pode constituir. A forte adesão de camponeses e camponesas a esta conferência foi uma das suas grandes vitórias.

É revoltante perceber que a agricultura de apoio ao sector familiar é mantida no esquecimento e ignorada sob a eterna justificação de falta de recursos financeiros e humanos. A resposta à apresentação de problemas por parte dos camponeses é sempre a mesma: “Somos um país pobre e sem recursos. Há uma grande necessidade de mecanizar a agricultura para reduzir o índice de pobreza em Moçambique.” Convenientemente, esquecem-se sempre que cerca de 90% da população moçambicana pratica agricultura familiar e que cerca de 80% dos alimentos consumidos em Moçambique provêm deste tipo de agricultura, que no entanto é sistemática e permanentemente desconsiderada.

A prioridade são sempre os investimentos gigantescos. A moda surgiu com o sector mineiro e aparentemente o agro-negócio veio institucionalizá-la. Os camponeses são deliberadamente mantidos na pobreza, sem acesso a crédito, sem acesso a apoio técnico através dos cada vez mais escassos serviços de extensão agrícola, e sem vias de escoamento do pouco excedente que conseguem produzir. Neste encontro, ouvimos os seus desafios, a sua situação e os inúmeros casos de usurpação de terra de que têm sido vítimas país a fora. Sempre com o mesmo denominador comum: a permissividade e/ou conivência do governo. É que, segundo os camponeses, carregados de promessas falsas de emprego, de centros de saúde, de escolas e de melhores condições de vida, os investidores vêm sempre apadrinhados pelo governo... O governo que os camponeses elegeram para servir e defender os seus interesses.

No início do encontro, foram apresentados resumos das discussões e encontros regionais da UNAC. Para consternação daqueles que desconheciam o modus operandi de quem nos governa, como se de um disco riscado se tratasse, os representantes dos camponeses foram relatando os problemas das suas regiões. Mudava o local e os envolvidos, mas os problemas eram em tudo similares.

Outra questão discutida no encontro foi a das sementes, e segundo tivemos conhecimento, existe já sobre a matéria uma proposta de regulamento depositada no Conselho de Ministros à espera apenas de aprovação. O conteúdo desse documento é ainda um mistério, pois nenhum dos presentes no encontro (excepto obviamente os membros do governo) tinha sequer conhecimento da existência do mesmo até à data. O que por sua vez nos leva a crer que não houve consulta pública. O que constará nesse documento? – perguntámonos. Tudo leva a crer que será mais um entre muitos, perdidos nos corredores do direito de acesso à informação da nossa tão prestigiada democracia. Sobre as sementes, uma camponesa disse o seguinte: “Essas vossas sementes melhoradas não germinam, não produzem, esta vossa semente nós não precisamos! Queremos a nossa semente nativa! Queremos a nossa semente que germina! É um pedido que nós como camponeses estamos a fazer neste momento.”

Num encontro desta natureza, com forte presença de camponeses, foi curioso ouvir do Sr. Director Nacional de Economia do MINAG, que um dos grandes desafios do sector agrícola é “num processo gradual, transformar estruturalmente o sector agrário, de uma agricultura de subsistência (extensiva) para uma agricultura orientada para o mercado (intensiva)”. E como será isto levado a cabo?!? Através dos vários programas de comprovado sucesso do Governo?!? Como quais?!?

Os oradores do evento não poderiam ter sido melhor escolhidos. As perspectivas apresentadas e a mensagem foram claras e consistentes como precisavam de ser, uma vez que a situação dos camponeses e camponesas só tem vindo a piorar. Os cada vez mais frequentes casos de usurpação de terra atentam contra a vida e bem estar de comunidades já demasiado fragilizadas e vulneráveis pela falta de apoio e de opções, os processos de consulta comunitária são deliberadamente mal conduzidos e não existe espaço para discussões construtivas. Para os nossos governantes, o papel do cidadão é concordar.

Como já seria de esperar, o Prosavana foi uma das questões debatidas, e mais uma vez o representante do governo demonstrou que veio a público para manipular os camponeses e a verdade. Brindounos com 40 minutos dum discurso político rendilhado para enganar os mais distraídos e fisgar os mais esperançados e desesperados, no qual voltou a insistir que este vergonhoso processo tem sido aberto (desta feita afirmando que têm sido feitas consultas públicas desde o ano passado, contrariando assim o seu discurso anterior sobre o tema, em que admitira publicamente falhas na comunicação) referindo que mais de 1200 pessoas já foram consultadas. Temos que admitir que o Sr. Director de Economia do MINAG é um homem muito corajoso.

É preciso arrojo para, sem pestanejar, frente a cerca de 200 camponeses e camponesas e de umas boas dezenas de representantes de organizações diversas da sociedade civil que acompanham e conhecem o processo, mentir tão descaradamente! Haja vergonha na cara!

Temos ainda que admirar o facto de se ter mantido em pé, firme, ao ser frontalmente desmentido, criticado e chamado de mentiroso num encontro destes! Acredito que num próximo encontro lá estará com a mesma atitude petulante de grande chefe e o mesmo discurso falso. Engana-se quem pensa que um dos principais problemas da governação deste país é a falta de pessoal competente a nível distrital e provincial para implementar adequadamente o que se decide “no topo da pirâmide”. Não, falta competência e verticalidade a todos os níveis.

Os camponeses e camponesas falaram de sua própria voz nesta conferência. Não houve intermediários nem portavozes e o seu brado foi unânime: “Somos contra o ProSavana”. Foi bastante claro e os vários representantes do governo presentes ouviram-no a alto e bom som. O que vão dizer agora? Podem juntar às 1200 pessoas que dizem já ter consultado, pelo menos mais 200, mas lembrem-se de mencionar a opinião destes 1400! Falam em consultas públicas sem actas ou minutas, mas as comunidades que dizem ter sido consultadas contam uma história bem diferente.

Só nos informaram que íamos ter tractor, crédito e extensão... Ninguém nos perguntou nada. Só falaram! Quem? O Governo... O ProSavana tem sido apresentado aos camponeses como a solução de todos os seus problemas, mas nas entrelinhas do projeto e do modo como tem vindo a ser conduzido, dá para ler perfeitamente as “boas intenções” e os benefícios que por aí vêm se permitirmos que seja implementado.

Uma mensagem que foi passada de forma bastante clara nesta conferência, foi quão fundamental é para a luta contra este monstro que os camponeses se organizem. Só unidos os camponeses poderão vencer este tipo de programas, caso contrário vão sim perder as suas terras, o seu trabalho, o seu sustento e a sua dignidade. O governo preocupa-se sim e muito, mas não é com os camponeses e camponesas. Preocupa-se com os investidores, com os lucros e com os grandes negócios.

Não temos um Governo a trabalhar para o povo, a defende-lo e aos seus interesses, temos um governo cego de ganância, a fazer negócios irreflectidos, um atrás do outro e como se não houvesse amanhã. Encontraram a famosa galinha dos ovos de ouro e não a vão largar facilmente! Só resistindo, só levantando a nossa voz, só protestando mesmo! Pois de mansinho e à maneira da boa gente que somos, vamos ficar à parte, a ver da janela meia dúzia de esfomeados comer toda a riqueza do nosso país enquanto fingem governar-nos. Chega! Basta!

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